No início de um processo de psicoterapia perguntei a uma cliente se ela tinha alguma ideia do que poderia dizer ou significar sua compulsão e lembrei do filme O Sexto Sentido. Na película um menino é atormentado por mortos que falam consigo. Podemos comparar os fantasmas do filme a sintomas emocionais/comportamentais (compulsões, ansiedade, desânimo...). Primeiramente, o protagonista assustado quer apenas livrar-se dos fantasmas. Porém, posteriormente, com a coragem que a vida solicita ao homem, o menino começa a escutar os fantasmas. Eles traziam mensagens para que verdades pudessem ser reveladas. Assim também agem os sintomas, só perdem a necessidade de aparecer se forem ouvidos e compreendidos. Apesar de indesejados são uma oportunidade de nos escutarmos.
Voltemos a minha cliente. Tereza era uma mulher de quarenta anos, sempre muito agradável, ou melhor, incapaz de desagradar. Foi excelente aluna, ótimo comportamento, ótima profissional, bonita, agia conforme altas expectativas sociais. Não decepcionava ninguém, impecável! A não ser por aquelas secretas e malditas compulsões alimentares, seguidas de episódios de bulimia, o fantasma que ela queria eliminar, ur-gen-te-men-te.
Eu também ansiava por menos sofrimento, mas sabia que a pressa não ajudaria, que seria ingenuidade contraproducente não darmos ouvidos ao seu fantasma. Os sintomas são como o alarme de uma casa, não basta desligá-lo, é preciso verificar qual é o perigo.
Tereza estava sempre atenta ao que os outros queriam dela, mas muito pouco escutava das suas vontades. Um corpo magro era, por exemplo, algo muito valorizado na sua família. Ao longo da vida, achava que precisava sempre agradar e fazer o máximo esperado para conquistar amor. Aí, um engano: agindo assim, ela poderia conseguir aprovação, mas aprovação não é amor.
No decorrer das sessões, ao recordar as faltas que sentira, reconheceu um sentimento de abandono e a mensagem trazida pela sua compulsão começava a aparecer: medo de sentir de novo abandono; culpa por não ser boa o suficiente para ter evitado e ainda poder evitar ser abandonada; exigência na performance para conquistar amor; desconfiança de que por mais que fizesse nunca seria suficiente.
Por um lado, sua compulsão era sua tentativa de protesto. Enquanto o ter que agradar fosse tão imperativo, o desagradar, o contrapor-se também seria, como um aviso rebelde de que o caminho não era por aí. Era uma tentativa de voz própria, porém equivocada, porque fazer algo por ser o avesso da expectativa do outro é ainda estar preso na expectativa do outro. Era preciso escutar suas vontades próprias e se libertar do ter que agradar/desagradar. Conquistar in-de-pen-dên-ci-a! A partir daí poderia verdadeiramente se livrar de estar submissa às expectativas dos outros.
Por outro lado, sua compulsão era um ato desesperado, uma penalização por não ser tão boa quanto imaginava precisar ser para enfim ser amada como gostaria. Era preciso escutar seu limite, não podia controlar o que o outro sentia por si. Poderia até receber certa aprovação por ser “perfeita”, mas isso não seria amor, o amor de que tanto sentiu falta.
Aos poucos, através dos caminhos ondulados do processo psicoterapêutico, ela foi conseguindo tratar do que era preciso. Pôde descobrir seus enganos, que de alguma maneira já os pressentia e que lhe causavam tanta angústia.
Hoje, se, eventualmente, sinais da compulsão reaparecem, Tereza logo entende a mensagem do fantasma aliado, pode saudá-lo como um velho conhecido e dar-lhe um tchau agradecido.
Tereza é uma cliente fictícia, inspirada em várias pessoas que tive o prazer de acompanhar.
Cada compulsão, cada sintoma, cada sofrimento emocional está enredado em uma história pessoal de vida. Podem ser aparentemente iguais em diferentes pessoas, porém a mensagem que trazem é personalizada. Descobrir essas mensagens e as possibilidades que as mesmas abrem torna-nos menos vulneráveis e mais livres.
Boa descoberta!
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