Carlos chegou ao consultório com insônia e sintomas de ansiedade.
Constantemente queixava-se da desatenção e descuido da sua esposa e filhos para consigo, o que aumentava a distância entre eles.
Mencionou ter sentido um desamparo parecido quando era criança e afirmou em tom inocente "mas já passou, não sou de chorar sobre o leite derramado". Suas experiências infantis de desamparado voltavam nas sessões e incomodava-o perceber o tamanho da mágoa que ainda sentia ao recordá-las.
Aos poucos, começou a questionar se essa mágoa tinha relação com sua expectativa em relação à atenção da esposa e dos filhos.
Após algum tempo de terapia, constata surpreso: junto da mágoa, a carência do menino ainda estava lá, atuante, pre-sen-te!
Ao re-cordar (passar de novo pelo coração) pôde des-cobrir emocionado essa sua verdade: esperava não só a atenção da esposa e dos filhos, mas uma reparação, uma compensação irracional e inconsciente (como se tivesse um crédito a receber da vida).
Era preciso que o menino estivesse no seu lugar, é verdade, insatisfeito, mas no seu lugar, no passado, para que Carlos, com seus 40 anos pudesse acolher o que ganhava da esposa, dos filhos, da sua vida. Para prosseguir Carlos precisou deixar o menino insatisfeito e despedir-se daquilo que gostaria que tivesse sido sua história.
Depois de dar-se conta do que sentia, essa verdade pareceu-lhe potente e óbvia, como se de alguma maneira ele já soubesse dela, uma nova velha conhecida que precisou ser des-coberta.
Pensemos numa menina indo animada ao parque e no caminho para em frente à vitrine de um petshop e “apaixona-se” por um cachorrinho que não está a venda. A criança passa a tarde sofrendo por não poder ter o cachorro e deixa de aproveitar a bicicleta, o sorvete e o que poderia ter tido. Muitas pessoas, sem que percebam, vivem assim por anos, às vezes pela vida toda, presas no que gostariam que tivesse sido.
Durante meses, Carlos recordou com dor sua história, encarou o que não pôde ser, abandonou o sonho da criança e colocou-a de volta no seu lugar, como parte da sua trajetória, liberando o adulto, em prol do que verdadeiramente podia e queria para seu futuro.
Depois desse processo, que não é linear, perguntei-lhe sobre a ansiedade e insônia “Nem lembrava mais delas”, ele respondeu. Parece que os sintomas foram um chamado de um Carlos do futuro, sozinho e rabugento, para o Carlos do presente escutar e colocar o menino no seu devido lugar.
Esse caso fictício é baseado em processos psicoterapêuticos reais. Muitas vezes, assim acontece na terapia, os sintomas servem como um chamado para que a pessoa possa se rever e reencontrar.
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