Era o ano de 2013, ouvi no rádio a reportagem sobre o laudo psiquiátrico de Marcelo Pesseghini, menino que matou os pais e, em seguida, suicidou-se. O diagnóstico concluíra: "A falta de oxigenação no cérebro, em uma cirurgia que fez aos dois anos de idade, somada à influência de jogos eletrônicos violentos levaram o menino aos delírios que desencadearam a tragédia”. Que?! Aumentei o volume.
Fico um tanto envergonhada ao ver a psiquiatria e a psicologia tentando reduzir comportamentos humanos a meros resultados de causas passadas, seguindo a lógica de conhecimento das ciências naturais. Por causa dessa tentativa, ratos são usados em estudos para explicar o comportamento humano. Seguindo essa lógica, agiríamos exatamente como os outros animais ou como as rochas: "X" composição física (ou carga genética) + "Y" circunstância = "Z" comportamento/emoção. Essa fórmula reducionista é (pasmem) amplamente difundida na psicologia e psiquiatria em geral. Ela dá conta de nos compreender?
A jornalista (leiga no assunto) demonstrou desconfiança: "Quer dizer que quem sofre de falta de oxigenação e joga jogos violentos tem maiores chances de matar parentes e/ou suicidar-se?". O psiquiatra, desprevenido, respondeu negativamente, embora houvesse acabado de afirmar que esses fatores causaram o comportamento do garoto. Ops...
A compreensão do nosso comportamento fica muito restringida, quando desconsideramos nossas intenções, ou seja, as possibilidades futuras que nos atraem (conscientemente ou não)! Restringida, porque não somos mero resultados (de fatores biológicos ou ambientais). Nosso comportamento é influenciado pela maneira como somos afetados por nossas condições (familiares, culturais, genéticas, etc.) e é influenciado pela possibilidade futura que ainda não aconteceu. Agimos em nome dos possíveis futuros que vislumbramos. Somos iniciadores e não meros resultados.
Precisamos descobrir o que é possível fazer, em cada caso, com o que nos é dado. Nossa motivação está ali na frente no que AINDA não é, no futuro a ser escrito. Quais eram os propósitos de Marcelo, como se sentia e quais possibilidades futuras ele estava sendo capaz de vislumbrar para si? Qual destino, qual sonho estava motivando suas ações? Seus colegas mencionaram, por exemplo, sua vontade de tornar-se um justiceiro, frio.
Os ratos não têm propósitos, reagem da mesma forma a mesmos estímulos. Nós? Somos seres de coragem, não a coragem como valor moral, mas aquela que nos chama para agirmos escutando o coração (core-age). Nosso coração dá um pulinho no futuro e volta para redirecionar nossas ações, para nos fazer apostadores. Para o bem ou para o mal, é assim que agimos, apostando em uma possibilidade dentre as quais conseguimos vislumbrar naquele momento.
Um pensamento preponderante na psicologia e psiquiatria, apresentado no laudo do consagrado psiquiatra, ignora algo essencial para a compreensão do comportamento humano, algo que meu avô, um semi-analfabeto, parecia saber quando me questionava “Você é um homem ou um rato?”.
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